História

A VIAGEM DE QUE SALAZAR NÃO GOSTOU

Juscelino Kubitschek no Fundão

Ignorando o protocolo e, provavelmente, assumindo uma posição não politicamente correcta, o então ex-presidente do Brasil Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK), decide aceitar o genuíno e simples convite que António Paulouro, Director do Jornal do Fundão, lhe endereça quando é recebido pelo fundador de Brasília em terras de Vera Cruz e cria um verdadeiro problema diplomático ao governo português. O ditador, António Oliveira Salazar, chefe do governo português, fica furioso e nunca mais esquece a partida que o grande estadista e o grande jornalista lhe pregaram, ordenando a censura de qualquer referência à visita de Janeiro de 1963.

O carácter da visita, de certo modo interpretada pela população como contra o regime vigente em Portugal, provocou um sentimento de liberdade traduzido nas manifestações entusiásticas para com JK.

A minha percepção de adolescente de 15 anos de tudo aquilo que estava acontecendo na minha terra, com os preparativos e o desenrolar do evento era para ser desfrutado pois fugia aos parâmetros tradicionais da pacatez da vila.

“Cuidado rapaz que eles andam aí!” Sussurrou-me ao ouvido o José Ramos, o velho artesão “vermelho” que me ensinou a sintonizar, às escondidas no canto mais recôndito da sua oficina, a Rádio Moscovo e a Rádio Voz da Liberdade que então emitia de Argel pela voz forte de Manuel Alegre. “Eles” que usavam fatos cinzentos coçados e emblema na lapela e davam ordens aos agentes da polícia eram, sem dúvida alguma, os homens do Salazar, o pessoal da PIDE que vigiava todos os movimentos.

JK, vai pernoitar na Serra da Estrela e integrado numa pequena caravana de automóveis, passa já noite pela primeira vez na vila. Ao aperceber-se que o povo resistiu ao intenso frio de Janeiro para o saudar, manda parar a viatura, sai, e do alto da sua imponente figura diz: “Muito obrigado por esta manifestação espontânea. Amanhã estarei aqui para abraçar vocês”.

O velho jipe da Garagem Barrocas, talvez por ser o único descapotável da vila, foi escolhido para transportar JK em desfile por entre a multidão em delírio, mas eu via pela cara do meu amigo Victor, que o conduzia, que a coisa estava a ser muito difícil. O sem capota andou tão devagarinho, tão devagarinho que aqueceu, aqueceu e já no fim da viagem, com um estoiro que se deve ter ouvido em toda a vila, saltou-lhe a tampa do radiador e projectou um repuxo de água fervente até à altura da varanda do edifício do jornal.
Foi como que um fim de festa de rua com fogo-de-artifício!

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