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Rio de Janeiro tenta ressuscitar zona portuária 5 anos após Olimpíadas

Era uma manhã de sexta-feira e curiosos se revezavam para conseguir o melhor ângulo da selfie em frente à pira olímpica. Não a de Tóquio, mas a do Rio de Janeiro, acesa horas antes para homenagear os jogos no Japão, que começavam naquele dia.

Cravado na zona portuária da cidade, que foi símbolo da competição desportiva no Brasil em 2016, o monumento agora revitalizado anuncia uma tentativa de ressuscitar a região central carioca após anos de poucos investimentos e baixa ocupação.

Levar moradores para a área, hoje preenchida por escritórios, é a principal aposta novamente. A construção de edifícios residenciais começa a ser negociada, obras de conservação são retomadas e novos projetos culturais e turísticos despontam, prometendo uma transformação nos próximos anos.

O Museu do Amanhã negoceia com um local para abrir uma escola de animação e games para 500 alunos. A Marinha e o IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) escolhem projetos para transformar um píer num museu marítimo de nível internacional, ainda a depender de verba federal. E um novo museu temático está para ser anunciado.

Um espaço dedicado a feiras também será inaugurado no edifício histórico Moinho Fluminense, e um complexo gastronômico batizado de Mercado do Porto deve ocupar um palacete da Praça Mauá. Já o Terreirão do Samba, fechado desde 2019, passa por estudos para ser concedido e abrigar eventos o ano todo.

“Para mim, que assisti esse projeto desde o início, é um momento glória", exalta Gustavo Guerrante, diretor da companhia municipal responsável por administrar a região (Cdurp) e ex-subsecretário de concessões e parcerias público-privadas.

O Porto Maravilha foi uma das maiores obras de revitalização urbana do Rio. Antes, passava por ali a

Perimetral, viaduto que interligava várias regiões da cidade e fazia do entorno um ambiente sombrio. O elevado foi demolido e deu lugar a um boulevard público à beira do mar.

Àquela altura, às vésperas dos eventos esportivos, a cidade atraía investidores e triplicava seu estoque de imóveis. A crise econômica que se seguiu, porém, fez diversas companhias fecharem e devolverem seus espaços. O resultado foi muito prédio e pouca gente na área, chegando a uma taxa de vacância de 94% em 2016.

“Atraiu-se uma série de empresas para lá, mas se olhou isso só pelo aspecto físico, e não conjuntural e econômico da cidade. O local continua em decadência, desocupado, sem vitalidade”, avalia o urbanista Luiz Fernando Janot, conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ).

A partir de 2018, o mercado voltou a se aquecer e o Porto começou a se fortalecer com edifícios mais novos e baratos que a Barra da Tijuca, por exemplo. Mas veio a pandemia e esvaziou a região novamente, com o home office e o trabalho híbrido.

Mesmo assim, a zona tem hoje menos espaços vagos que a média do Rio de Janeiro (29% contra 39%) e representa um terço das locações na cidade nos últimos três anos, segundo a consultoria imobiliária Binswanger Brazil. A diretora da empresa, Evie Kempf, prevê agora um período fértil.

“Com a vacina, as empresas começam a voltar parcialmente. A pandemia também fez o setor residencial crescer absurdamente. Estamos muito otimistas no Porto Maravilha, deve vir muita coisa”, diz ela, que trabalha com a região central há mais de 20 anos.

A primeira coisa que veio, em junho, foi o Rio Wonder Residences, com três torres de 20 andares e 1.200 apartamentos a serem erguidos. Os primeiros 470 à venda esgotaram em menos de um mês, e a mesma construtora já adquiriu um segundo terreno para ofertar mais 700 unidades.

O plano de seduzir moradores também é impulsionado por um novo programa no entorno, chamado Reviver Centro. Sancionado pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) em julho, ele dá incentivos fiscais nos bairros mais abaixo do Porto para que o mercado construa habitações e transforme prédios comerciais ociosos em residenciais ou mistos (o chamado retrofit).

“Nossas pesquisas mostram que as pessoas gostam do Centro e até morariam lá, mas têm medo”, diz o secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo. “Queremos atrair uma classe média que mora na zona norte, por exemplo, mas trabalha ali, além de destinar uma parte à locação social e à moradia assistida para moradores de rua.”

É um consenso entre urbanistas que a gestão anterior, de Marcelo Crivella (PRB), pouco fez pela região. Agora, Paes, que levou o ônus pela revitalização e agora voltou à cadeira de prefeito, quer terminar o que começou.

Segundo Guerrante, diretor da Cdurp, a ideia é que o município dê mais atenção à manutenção, invista numa rotina de eventos assim que a pandemia permitir e termine as obras de reurbanização de ruas que estavam previstas no projeto —faltam 13% delas.

Também está nos planos estender a linha do VLT (veículo leve sobre trilhos) que atravessa o Porto e interligá-la com o BRT (corredor exclusivo de ônibus) até 2023. Já o teleférico do morro da Providência, parado desde 2016, passa por uma avaliação de engenharia.

Guerrante sustenta que há condições financeiras para as mudanças. “Evidentemente é feita uma adaptação do projeto para adequá-lo a uma realidade e um prazo diferentes. Antes precisava acontecer até as Olimpíadas [de 2016] e erguer tudo do zero. Agora não há essa necessidade.”

Mas há uma pedra no meio do caminho. O contrato de parceria público-privada que previa toda a manutenção e as reformas na região pela concessionária Porto Novo foi cancelado por falta de repasses da prefeitura, que agora tenta negociar a volta da empresa.

O modelo da concessão é baseado nos chamados Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção), papéis que as construtoras têm que comprar quando querem construir na zona portuária. Era esse dinheiro que custearia as obras e a zeladoria ali.

Com a crise, a Caixa Econômica, que detém todos os títulos, só conseguiu vender menos de 10% deles. A fonte secou e os serviços foram sendo paralisados, até que a prefeitura teve que assumi-los com verba própria em 2018. O imbróglio está na Justiça Federal, a quem o banco já afirmou que a operação urbana era inviável desde o início.

Outra decepção recente foi a falta de interessados no leilão do histórico edifício A Noite​, primeiro arranha-céu da América Latina e que está vazio desde 2012. Mesmo com desconto, a burocracia por ser um prédio da União e a necessidade de grandes reformas dificultam a venda.

Para o urbanista Janot, a tentativa de atrair moradores ao Porto e ao Centro é positiva, mas a responsabilidade novamente está sendo dada nas mãos do mercado imobiliário, o que já foi um erro no passado. “No papel tudo é muito bacana, mas na prática não é tão fácil”, diz.

A consultora imobiliária Evie Kempf argumenta que não há outro jeito: “Há controvérsias e pensamentos diferentes sempre. Mas a primeira coisa é resolver, e quem vai ajudar é o mercado. O Centro está na UTI”, opina.

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